Além de figurino e maquiagem: quadrilhas juninas abrem oportunidade de renda para diversos profissionais no Ceará
29/06/2025
(Foto: Reprodução) Período é de maior demanda para quem presta serviços variados que ajudam a compor a festa de São João dentro das quadras. Cenografia da quadrilha Paixão Nordestina homenageia o folclore maranhense.
A busca pela perfeição em cada detalhe nas quadrilhas juninas do Ceará passa pelas mãos de profissionais nas diversas áreas. A montagem dos grandes espetáculos voltados para o ciclo de competições juninas envolve linguagens diferentes: do teatro à cenografia, da música à confecção da indumentária.
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A criação de temas diferentes das quadrilhas para cada ano ajuda a movimentar a economia criativa, com serviços voltados para que os elementos trazidos para as quadras dialogue com os enredos elaborados pelos grupos.
No Ceará, os grupos juninos se preparam para a temporada de festivais e competições espalhadas pelo estado. O período dos festivais se estende até quase o fim de julho.
No São João de Maracanaú, o último fim de semana de festa receberá o Festival Interestadual, neste sábado (28) e domingo (29).
O 25º Festejo Ceará Junino também conta com etapas regionais, escolhendo quadrilhas que irão representar todas as regiões do estado na grande final, a ser realizada entre 17 e 20 de julho na cidade de Aracati.
O São João de Fortaleza, com festivais de quadrilhas pelos bairros da capital, tem agenda que vai reunir 12 grupos com as melhores pontuações nos dias 18 e 19 de julho, no bairro José Walter.
O período junino, concentrado principalmente entre maio e julho, demarca um tempo de atividades intensas para quem está nos bastidores.
No entanto, há profissionais que se dedicam o ano inteiro para os festejos de São João. O g1 conversou com algumas destas pessoas que trabalham para fazer a festa acontecer.
Espetáculos unem dança, teatro e música
Apresentações das quadrilhas juninas apostam na beleza dos detalhes para o ciclo de competições
Ricardo Baia/Divulgação
A quadrilha Paixão Nordestina surgiu há 28 anos no bairro Vila Manoel Sátiro, em Fortaleza. Para entrar em quadra todos os anos, o grupo conta atualmente com serviços de profissionais de todo o Ceará, com pessoas de cidades como Maracanaú, Caucaia e Eusébio, além da região do Cariri.
Os gastos para cada temporada da quadrilha custam cerca de R$ 800 mil, como explica o presidente Erbínio Rodrigues. Os serviços que colocam a festa para a frente incluem profissionais como costureiros, sapateiros, aderecistas, estilistas, maquiadores, produtores musicais e produtores de teatro.
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Isso porque as quadrilhas são avaliadas por diversos quesitos. Dentre eles, estão figurino, teatro (com a encenação do casamento), dança e repertório. Assim, os esforços para profissionalizar os espetáculos a cada ano abrem mercados novos para prestadores de serviços.
“A cultura do São João não é engessada. E tudo o que a gente faz para fomentar e para atrair as pessoas é muito importante. Acho que essas novas formas que a gente tá levando para o São João estão trazendo uma resposta muito boa, tanto para quem dança como para quem assiste”, conta Erbínio.
Em 2025, a Paixão Nordestina apresentou o tema “Maranhão, uma paixão na terra da encantaria”, homenageando a cultura e as tradições do estado nordestino.
O grupo foi o vencedor do Arraiá do Ceará 2025, e vai representar o Ceará neste domingo (29) no Festival de Quadrilhas Juninas da TV Globo 2025, na cidade de Goiana, em Pernambuco.
A união de diversos talentos para a festa
Quadrilha Ceará Junino tem 22 anos de história em Fortaleza
Reprodução
Para a quadrilha Ceará Junino, são 22 anos de história. O grupo nasceu no bairro Álvaro Weyne, em Fortaleza, e também conta com brincantes que não se restringem à capital, vindo de cidades como Aracati e Itapipoca.
O ano é praticamente dividido em dois, com seis meses para planejar e outros seis para começar a executar os passos para a próxima temporada, aponta o projetista Seixas Soares. Nesta função, ele é responsável por desenvolver o projeto com apoio de equipes de criação.
Com isso, existem períodos em que alguns profissionais estão mais ativos. Por exemplo: a partir de janeiro, é possível ensaiar os passos de dança depois que o tema e algumas músicas já estão definidas.
"Há 22 anos, a gente trabalha com os mesmos profissionais, é algo assim muito forte. Nós temos o chapeleiro, o sapateiro, o bordadeiro, a costureira, o maquiador, temos a equipe de música, a coreografia, a cenografia. Temos toda essa engrenagem para que esse espetáculo esteja funcionando", conta.
No grupo, existe a preocupação de treinar as novas gerações para aprender com os profissionais mais antigos em suas funções, como no caso das costureiras.
Para Seixas, o envolvimento de todos também traduz uma verdadeira expressão de amor destas pessoas pela cultura do São João, para que ela continue viva e relevante para quem vivencia os festejos.
Ele explica que um dos pontos altos desta temporada foi o encontro da Ceará Junino com Elba Ramalho, que convidou o grupo para a apresentação dela no palco do Mossoró Cidade Junina, na noite desta quinta-feira (26). Para 2025, o tema do grupo fez homenagem à musicalidade da cantora, com o título “A Voz Que Ecoa no São João”.
Uma cidade que se envolve na festa
Quadrilha Paixão Junina envolve maioria de profissionais da cidade de Maranguape, no Ceará
Quadrilha Paixão Junina/Divulgação
A maioria dos profissionais contratados pela quadrilha Paixão Junina são do município representado pelo grupo: Maranguape, na região metropolitana de Fortaleza.
O grupo está prestes a completar 24 anos de atividades no início de julho, sendo considerada um patrimônio cultural imaterial do município desde 2021, como conta o fundador e presidente da quadrilha, Relrison Lima.
Ele comemora que o grupo, geralmente composto pelos mesmos profissionais, movimenta a economia da cidade no período de São João.
Dentre as profissões envolvidas, estão costureira, modelistas, músicos e cenógrafos. Para impulsionar a divulgação do grupo nas redes sociais, também são contratados designer gráfico, cinegrafista e profissionais das artes visuais.
Com meses de preparação, o grupo conta com uma agenda intensa na temporada junina, tendo realizado o evento de estreia no Maranguape Clube e participando de festivais até o fim de julho. Em 2025, o tema da Paixão Junina é "Canta Marinês, Canta Nordeste", em homenagem à cantora que esteve ao lado de nomes como Luiz Gonzaga, Abdias e Jackson do Pandeiro.
Artes visuais voltadas para a cultura junina
A cenografia da quadrilha Paixão Nordestina para o tema de 2025 em homenagem ao Maranhão
Arquivo Pessoal
A cenografia tem sido um dos serviços bastante procurados pelos grupos juninos do Ceará. Os meses que antecedem as festas são de muito trabalho para o artista visual Leandro Marques, que costuma trabalhar em Fortaleza e Caucaia.
Normalmente, ele trabalha com a elaboração de murais, grafites, fotografias de pessoas em paredes e personalização de ambientes.
Ao ser procurado pelas quadrilhas juninas, Leandro fica responsável por elementos que são mostrados dentro dos espetáculos.
“Quando eu confeccionava cenários para eventos, veio a proposta de trabalhar com uma quadrilha, há cerca de oito anos. A partir daí, meu nome começou no meio das quadrilhas juninas. E hoje, graças a Deus, é complicado atender todo mundo, com a demanda que existe”, explica Leandro.
Em 2025, um dos produtos foi o painel que abre a apresentação da Paixão Nordestina, ajudando a conectar o público com o tema escolhido para a temporada. Ele explica que, meses antes da estreia dos grupos, se reúne com os líderes das quadrilhas juninas para compreender o tema e as peças necessárias para a apresentação.
A confecção dos painéis é uma referência dentre as criações de Leandro, que trabalha com aerografia — técnica de pintura com um tipo de compressor para pulverizar tinta sobre uma superfície. Ele explica que o objetivo é trazer imagens realistas e bem detalhadas.
Entre os meses de maio e julho, ele e a equipe montada com mais três artistas precisam se desdobrar e até virar madrugada para os pedidos do período junino.
“As quadrilhas que fecharam com a gente sempre estão ganhando festivais por consequência disso. E é muito bom, é gratificante. Eu tento e consigo me entregar por completo pra chegar com o impacto visual que eu gostaria de ver nas quadras. E eu só consigo ver que o meu trabalho realmente somou quando acompanho a apresentação, seja na estreia ou em um evento grande”, detalha o artista.
Leandro também tem recebido propostas para trabalhar com grupos culturais de outros estados, como Maranhão e Pará, mas não tem conseguido atender por conta da logística.
A coreografia entre a inovação e a tradição
Coreografia da quadrilha Ceará Junino alia tradição e modernidade.
Foi em um grupo de danças da cultura popular que o coreógrafo e bailarino Tom Ferreira, de 31 anos, se aproximou da festa de São João. Com a dança, ele participou de viagens e competições na adolescência, além de procurar aulas de jazz e hip hop.
Há cerca de sete anos, ele resolveu entrar em uma quadrilha junina como dançarino. E conta que, nos bastidores, acabava auxiliando informalmente com alguns toques na coreografia.
Em 2018, Tom recebeu um convite da quadrilha Ceará Junino e foi contratado para assumir a coreografia. Atualmente, ele é responsável pelos passos das damas, dos cavalheiros e dos destaques da quadrilha.
Como partilha, os ensaios iniciam ainda no mês de janeiro, quando o grupo já conhece o tema do ano e as primeiras músicas começam a ficar prontas. Os ensaios acontecem principalmente nos fins de semana, para melhor participação dos brincantes que trabalham.
Nas planilhas de avaliação das competições, cada quadrilha precisa executar pelo menos 12 passos da lista de passos tradicionais das festas juninas. Alguns deles são o serrote, o trancelim e o passeio de namorados.
Por garantia, Tom explica que costuma incluir cerca de 20 passos, mesclando também com elementos que trazem alguma inovação.
"Eu faço muito isso de agregar com os movimentos modernos no espetáculo da Ceará Junino. Eu acho que é isso que as pessoas esperam, né? Todo ano algo novo sem perder o tradicional. Então eu coloco muita coisa das minhas vertentes da dança, jazz, hip hop, vogue", exemplifica o coreógrafo.
Em 2025, uma das novidades foi o movimento rítmico de braços no estilo Waacking, que surgiu na década de 1970 nos clubes de Los Angeles e era executada na era do disco. Na coreografia da quadrilha, o passo segue as batidas da música e trouxe um aspecto impactante para os espectadores.
A valorização da imagem para compor a narrativa
Profissionais de fotografia ajudam a apresentar o tema e o figurino das quadrilhas nas redes sociais
Gilmar Silva/Divulgação
Nascido em Cascavel, no interior do Ceará, o fotógrafo Gilmar Silva começou a se interessar pela arte por meio das linguagens do teatro e da dança. Em seguida, conheceu as quadrilhas juninas e a fotografia, paixões que o acompanham até hoje.
Durante o ano, ele trabalha principalmente com a fotografia artística de gestantes, além de ministrar cursos e palestras sobre fotografia. Quando chega o período junino, ele entra em quadra como brincante e também ajuda na divulgação visual da quadrilha Paixão Nordestina.
Há cerca de sete anos, Gilmar percebeu que a história contada pelas quadrilhas em cada temporada poderia ser representada pela fotografia. Dessa forma, ele começou a trabalhar no mundo junino com uma narrativa visual para os principais personagens e o figurino dos destaques da quadrilha a cada ano.
Para este ano, ele pensou em uma proposta diferente. Em vez de fotos de estúdio, ele quis um ambiente que dialogasse mais com o tema do grupo para 2025.
“A minha cabeça é meio doida, eu sempre quero sair do óbvio. E aí, como o tema era Encantaria do Maranhão, eu falei: ‘a gente tem que lançar o figurino de uma forma encantada, para fazer jus ao tema’. E eu tive a ideia de fazer as fotos no meio de um sítio com fumaça, luz criativa, criando uma uma atmosfera de encantaria de fato”, detalha Gilmar.
Além das imagens artísticas, Gilmar também fica responsável pelas fotos das apresentações da quadrilha. Como ele também é brincante e dança junto, esta tarefa fica com outros dois fotógrafos da equipe dele.
A narrativa visual do tema da quadrilha Paixão Nordestina, que homenageia as encantarias do Maranhão
Gilmar Silva/Divulgação
Para Gilmar, a criação dos conteúdos da cultura junina para as redes sociais tem se fortalecido nos últimos anos, rendendo milhares de visualizações. Uma das tendências é a da fotografia em estúdio dos noivos das quadrilhas, valorizando também a indumentária.
“As quadrilhas estão existindo dentro da quadra, mas também dentro das redes sociais com muita força, com criação de conteúdo, planejamento, organização. Hoje o mercado do social media, do fotógrafo, do storymaker e do videomaker cresceu muito dentro do movimento”, comemora.
Desta forma, ele considera que a cultura junina se renova com novas possibilidades e aquece ainda mais a economia local no período.
Agenda cheia para maquiadores
Maquiadores fecham pacotes fixos para acompanhar brincantes no período junino
Arquivo Pessoal
Alguns dos profissionais vivenciam de perto a intensidade da rotina dos brincantes no período junino. É o caso dos maquiadores, que precisam preparar o visual dos componentes para cada noite de apresentação.
Uma forma de organizar a agenda é fechar um pacote de valores para um grupo fixo de pessoas. Para a maquiadora Katty Silva, de 38 anos, o compromisso de 2025 é acompanhar cinco brincantes da Ceará Junino por onde elas forem. Em alguns anos, essa é a rotina dos meses de junho, julho e até em alguns dias de agosto.
"A minha agenda que é fora do São João, eu só abro depois que eu sei a agenda da quadrilha. Porque nesse período, as meninas são as prioridades para mim. Eu abro exceção ou para quem agendou muito antes ou para cliente que consegue um horário meu livre", detalha Katty.
Mesmo cuidando apenas de cinco brincantes de forma fixa, as mais de 40 damas que dançam pela Ceará Junino também levam o estilo de Katty. Isso porque é ela quem planeja a maquiagem que vira o padrão da quadrilha para aquela temporada, se envolvendo nas reuniões de criação desde o início para pensar numa maquiagem que converse com o tema e o figurino.
Para quem não tem condições de pagar um maquiador profissional, ela conduz um curso gratuito de automaquiagem, que dura cerca de um mês. A ferramenta é para que as outras brincantes consigam ajudar umas às outras na preparação, além de reduzir os custos para participar da festa.
Katty afirma que essa oportunidade já deu frutos no grupo, com algumas brincantes que descobriram o talento para a maquiagem profissional. Com isso, a história da própria Katty se repete: ela começou a se interessar pela maquiagem quando, em meados dos anos 2000, dançava quadrilha e quis acompanhar a tendência de compor looks mais elaborados.
Depois de um curso profissionalizante, ela passou a trabalhar com maquiagem social e encontrou uma fonte de renda. "Eu acabei me apaixonando por causa de uma necessidade do São João. E isso mudou minha vida em todos os sentidos", declara.
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